Por Marina Pechlivanis
Momentos como o que estamos a viver servem para parar e pensar. E, depois disso, agir.
Como estamos a actuar no mercado? Com quem? Para quem? Por qual motivo? Qual o preço disso tudo? Isso tudo faz sentido? É nesse sentido que devemos prosseguir?
Foi pensando exactamente no sentido das coisas e em caminhos a trilhar que preparei quatro reflexões para quem quer rever o que está oferecendo para o mundo e questionar o que está recebendo em troca. Como fio condutor usarei minha experiência com um conceito milenar e paradoxalmente contemporâneo: a Economia das Trocas, das Dádivas ou, no original, Gift Economy, que mudou a minha visão de mundo e de fazer negócios e que pode trazer alguma inspiração aos que querem remodelar sua forma de fazer negócios e actuar no mercado.
1) Faça as perguntas certas e preste atenção às respostas
“Quem não sabe o que procura não percebe quando encontra.”
Você já pensou que muitas vezes não encontra respostas para as suas inquietações e incertezas por não ter feito as perguntas certas? Outras vezes, por ansiedade, desperdiçou oportunidades incríveis por não prestar atenção às respostas?
— No meu caso, desde muito antes da estruturação do conceito Gifting, oficialmente lançado em um workshop que ministrei no Festival de Cannes (Julho, 2008) e consolidado no livro Gifting (2009, relançado em 2018), a ideia de um estudo que trouxesse o sentido amplificado de “economia das dádivas” sempre me intrigou.
Afinal… Como as trocas são efectivadas? O que de mágico existe em um modelo quase automático de “dar-receber-retribuir” que funciona desde os primórdios das socialidades humanas, nas sociedades arcaicas, e ainda se mantém hoje como um modelo de mapear trocas de objectos e sensações na humanidade? Qual é o poder dessas trocas, a ponto de gerarem poderosos vínculos entre pessoas, objectos e entidades? Como localizar a alma, o dom e a dádiva de um negócio e deixá-los transparecer, na medida certa, para dentro e para fora de uma corporação?
Meu viés está ligado às marcas. Como podem, considerando o montante de recursos que mobilizam para estabelecer contacto com seus públicos de interesse, realizar negócios de forma revigorada, inteligente e sustentável? Como podem beneficiar desse processo para criar relações mais interessantes, memoráveis e consistentes com seus públicos de relacionamento (stakeholders)? E mais: existem novos modelos que podem movimentar a economia com valores humanos e humanitários, e não apenas monetários? Por fim, me perguntei: “É isso que quero estudar e aplicar?”
A resposta: “sim”.
2) Mapeie o mercado e defina prioridades para começar bem
“Um caminho de muitos quilómetros começa com um primeiro passo.”
Muitas pessoas estão preocupadas em terminar bem, quando na verdade o primeiro e mais importante passo é começar bem. Para sair da estaca zero, o que você precisa fazer? Isso é viável? Qual a energia necessária para isso?
— Para começo de conversa, e antes de sair fazendo, fui a campo de forma estruturada. Tudo o que observei, registei e fiz anotações numa folha de cálculo que até hoje me ajuda quando busco referências.
O processo foi assim: primeiro, conversei com pensadores das mais diversas áreas: economistas, sociólogos, antropólogos, cientistas sociais, profissionais de mercado… para entender o nível de conhecimento e aplicação do conceito de Gift Economy na prática. Depois, participei em eventos, congressos, fóruns, palestras e circuitos de startups… para captar o quão familiar era este conceito no mundo dos negócios. Em paralelo, li muito: dos tratados clássicos comportamentais aos modelos contemporâneos de gestão de negócios sustentáveis, eficientes e criativos… para ter riqueza de pontos de vista e fundamento científico nas minhas argumentações e proposições.
Assim, vi que não estava sozinha nesse processo: havia inúmeras associações, organizações, instituições, institutos e publicações já estudando, aplicando e avaliando esse modelo mesmo sem dar o nome de Gift Economy, como no circuito das startups, onde mentores e empreendedores, sem receber dinheiro por isso, investem seu tempo e seu talento assessorando empreendedores em novas soluções para o mercado.
Traduzindo: comecei pelo começo. Isto é, entendendo os fundamentos, mapeando o mercado, validando a utilidade deste conceito. E isso foi fundamental para as decisões sobre os próximos passos.
3) Transforme as ideias em projectos concretos e experimente
“A sorte favorece a mente bem preparada.”
Parar no mundo das ideias é a coisa mais comum que existe. As pessoas pensam, pensam, pensam, mas na hora de colocar em prática encontram inúmeros empecilhos para não testar e experimentar, talvez com medo de falhar.
— Durante as etapas de investigação e de ordenação do pensamento, uma constatação foi relevante para os “próximos passos”: acompanhei vários discursos de marcas para ver onde a oferta se choca com a entrega; não basta comprar espaço de imprensa para publicar nos media que faz campanhas milionárias e bem produzidas, com as mais badaladas agências de comunicação; isso já não engana ninguém. A sensação era a de uma demanda mundial por um novo formato nas relações de troca, comerciais ou não, trazendo à tona determinados valores que, com o poder da monetização e da plastificação das relações, estavam esquecidos.
Por isso defini duas vertentes: um estudo académico que pudesse trazer uma visão ampla e actualizada desta inspiradora forma de fazer negócios e uma metodologia que pudesse exemplificar como isso tudo pode ser colocado em prática.
De forma concreta: escrevi o livro Economia das Dádivas, lançado em 2016 (com 440 páginas), e que se transformou em palestras, vídeos, aulas… E criei as metodologias corporativas para autoconhecimento e estudos de percepção Dádivas de Marca®, Gifting & Rituals Map®, Sistema das Relações de Troca®, Índice de Consistência Perceptiva e Matriz da Excelência Gestão de Encantamento, implementadas para marcas e líderes de diversos segmentos (do agro-negócio ao mundo dos cripto activos) com resultados transformadores.
4) Encontre propósito: tem que fazer sentido para você avançar
“Os vencedores sempre fazem mais, muito mais que o suficiente.”
Financeiramente tudo está perfeito: você já analisou as folhas de cálculo, os gráficos, as projecções e a perspectiva é boa. Mas, emocionalmente, como você está preparado para lidar com isso tudo? Valerá o investimento de dinheiro, tempo e energia?
— Sempre existe uma motivação maior que traz garra para investir e avançar. De meu lado, tive a certeza quando me consciencializei sobre alguns conceitos amplamente utilizados no mercado como responsabilidade social corporativa, capitalismo consciente, economia colaborativa… belamente ilustrados nos portais e nas portas das empresas, mas que muitas vezes são apenas discursos para gerar histórias tocantes e reais assim como fabulares e ficcionais.
Uma auto-enganação, sabe? No meio de tantas verdades desvendadas, o que me move na “economia das trocas” é seu papel estratégico revigorando negócios e formatando uma “nova economia”. Os cartesianos podem chamar de uma volta à troca directa, de um futuro do pretérito. Mas acredito num formato revigorado e carregado de expectativas de um modelo mais saudável e harmonioso para a sobrevivência da humanidade nas inter-relações e interdependências que o mundo propõe no momento.
Concluindo: repensei minha actuação, meu repertório e meus processos. É essa a troca que eu proponho na economia das trocas. Em troca, peço que você reflicta e, se tiver possibilidade, faça alguma coisa. Não é por mim e nem por você. É por todos nós que vivemos uma economia de mercado que merece ser revigorada urgentemente para continuar viva.